Glossário essencial da desinformação
Claire Wardle
Pesquisa de Grace Greason, Joe Kerwin e Nic Dias
Traduzido com autorização do First Draft News
Julho de 2018
Definições e terminologia importam. Para formuladores de política, empresas de tecnologia, políticos, jornalistas, bibliotecários, educadores, acadêmicos e organizações da sociedade civil, todos lutando com os desafios impostos pela desordem da informação, concordar com um vocabulário compartilhado é essencial.
Este glossário apresenta as palavras, acrônimos e frases mais frequentemente usadas e mais incompreendidas relacionadas à desordem da informação. Ele é projetado para ser um documento vivo que evoluirá como um ponto de referência ao lado de descobertas de pesquisas, mudanças na tecnologia e os inevitáveis debates provocados pelas definições.
Algoritmo
Um algoritmo é uma série de passos fixos que um computador desempenha para resolver um problema ou uma tarefa complexa. Por exemplo, plataformas de mídia social usam algoritmos para compilar o conteúdo que os usuários veem. Esses algoritmos, em particular, são projetados para mostrar aos usuários materiais pelos quais eles se interessarão, com base na história de engajamento de cada usuário naquela plataforma. Por exemplo, algoritmos podem filtrar conteúdo de forma que os usuários vejam primariamente os tipos de conteúdo com que se engajaram anteriormente. Usuários tendem a se engajar com conteúdos que provoquem reações emocionais, como medo e raiva. Assim, argumenta-se que os algoritmos projetados para tirar vantagens das emoções dos usuários criam um ambiente no qual florescerá a desinformação criada para atuar em medos profundos e identidades culturais [1].
[1] Wardle, C. & H. Derakshan (September 27, 2017) Information Disorder: Toward an interdisciplinary framework for research and policy making, Council of Europe, https://rm.coe.int/information-disorder-toward-an-interdisciplinary-framework-for-researc/168076277c
Amplificação fabricada
Amplification fabricada (manufactured amplification) acontece quando o alcance ou a difusão da informação são impulsionados por meios artificiais. Isso inclui manipulação humana ou automatizada de mecanismos de busca e de listas de tendências e a promoção de certos links ou hashtags na mídia social [2]. Existem listas de preços online para diferentes tipos de amplificação, incluindo preços para votos falsos e assinaturas em enquetes e petições online, e para o custo de reduzir o ranqueamento de um conteúdo específico de resultados de mecanismos de buscas [3].
[2] Wardle, C. & H. Derakshan (September 27, 2017) Information Disorder: Toward an interdisciplinary framework for research and policy making, Council of Europe, https://rm.coe.int/information-disorder-toward-an-interdisciplinary-framework-for-researc/168076277c
[3] Gu, L., V. Kropotov & F. Yarochkin (2017) The Fake News Machine: How Propagandists Abuse the Internet and Manipulate the Public. Oxford University, https://documents.trendmicro.com/assets/white_papers/wp-fake-news-machine-howpropagandists-abuse-the-internet.pdf
Anúncios escuros
Anúncios escuros (dark ads) são anúncios visíveis apenas para o autor do post e seu público-alvo. Por exemplo, o Facebook permite que os anunciantes criem postagens que alcançam usuários específicos com base no perfil demográfico, "curtidas" de páginas e nos interesses listados, mas que não são visíveis publicamente. Esses tipos de posts direcionados custam dinheiro e, portanto, são considerados uma forma de publicidade. Como essas postagens são vistas apenas por um segmento do público, elas são difíceis de monitorar ou rastrear [4].
[4] Wardle, C. & H. Derakshan (September 27, 2017) Information Disorder: Toward an interdisciplinary framework for research and policy making, Council of Europe, https://rm.coe.int/information-disorder-toward-an-interdisciplinary-framework-for-researc/168076277c
API
Uma API (application program interface), ou interface de programação de aplicativos, é um meio pelo qual os dados de uma ferramenta ou aplicativo da Web podem ser trocados ou recebidos por outra. Muitos profissionais que trabalham para examinar a origem e a disseminação de informações comprometidas dependem do acesso a APIs de plataformas sociais, mas nem todas são criadas da mesma forma e a extensão dos dados disponíveis publicamente varia de acordo com a plataforma. Aberta e fácil de usar, a API do Twitter permitiu a pesquisa e a investigação completas de sua rede, além do desenvolvimento de ferramentas de mitigação, como sistemas de detecção de bots. Mas restrições em outras plataformas e a falta de padronização da API significam que ainda não é possível estender e replicar esse trabalho na web social.
Automação
Automação (automation) é o processo de projetar uma “máquina” para completar uma tarefa com pouco ou nenhum esforço humano. Desempenha atribuições que seriam demoradas para os humanos, convertendo-as em algo concluído rapidamente e quase sem esforço. Por exemplo, é possível automatizar o processo de envio de um tuíte para que um ser humano não precise clicar ativamente em "publicar". Processos de automação são a espinha dorsal das técnicas usadas para efetivamente "fabricar" a amplificação da desinformação.
Black hat SEO
Black hat (chapéu preto) SEO (otimização de mecanismo de busca) é um termo que descreve estratégias agressivas e ilícitas usadas para aumentar artificialmente a posição de um website dentro dos resultados de um mecanismo de busca, por exemplo mudando o conteúdo de um website depois de ranqueado. Geralmente essas práticas violam os termos de serviço fornecidos por um mecanismo de busca, pois direcionam tráfego para um website às custas da experiência do usuário [5].
[5] Ghosh, D. & B. Scott (January 2018) #DigitalDeceit: The Technologies Behind Precision Propaganda on the Internet, New America
Bots
Bots são contas de mídia social operadas inteiramente por programas de computador, projetadas para gerar posts e/ou engajar com algum conteúdo numa plataforma específica. Em campanhas de desinformação, os bots podem ser usados para chamar a atenção para narrativas enganosas, para apropriar-se de listas de tendências de plataformas e para criar a ilusão de discussão pública e apoio [6]. Pesquisadores e tecnólogos usam abordagens diferentes para identificar bots, empregando algoritmos ou regras mais simples baseadas no número de posts por dia [7].
[6] Howard, P. N. & K. Bence (2016) Bots, #StrongerIn, and #Brexit: Computational Propaganda during the UK-EU Referendu, COMPROP Research note, 2016.1, http://comprop.oii.ox.ac.uk/
[7] Howard, P. N. & K. Bence (2016) Bots, #StrongerIn, and #Brexit:
Botnet
Uma botnet é uma coleção ou rede de bots que atua de forma coordenada, tipicamente operada por uma pessoa ou grupo. Botnets comerciais podem incluir até dezenas de milhares de bots [8].
[8] Ignatova, T.V., V.A. Ivichev, V.A. & F.F. Khusnoiarov (December 2, 2015) Analysis of Blogs, Forums, and Social Networks, Problems of Economic Transition
Checagem de fatos
Checagem de fatos (fact-checking) (no contexto da desordem da informação) é o processo de se determinar veracidade e precisão de informação oficial e publicada, como declarações de políticos e reportagens noticiosas [9]. A checagem de fatos surgiu nos EUA na década de 1990 como uma forma de autenticar afirmações feitas em anúncios políticos veiculados na televisão. Existem atualmente 150 organizações de checagem de fatos no mundo [10] e muitas, agora, também desmascaram informações incorretas e desinformação de fontes não oficiais que circulam online.
[9] Mantzarlis, A. (2015) Will Verification Kill Fact-Checking?, The Poynter Institute, https:// www.poynter.org/news/will-verification-kill-fact-checking
[10] Funke, D. (2018) Report: There are 149 fact-checking projects in 53 countries. That’s a new high, The Poynter Institute, https://www.poynter.org/news/report-there-are-149-fact-checking- projects-53-countries-thats-new-high
Conta inativa
Uma conta inativa (dormant account) é uma conta de mídia social que não tenha postado ou se engajado com outras contas por um período extensivo de tempo. No contexto da desinformação, essa descrição é usada para contas que possam ser humanas ou operadas por bots, permanecendo inativas até que sejam “programadas” ou instruídas para desempenhar outra tarefa [11].
[11] Ince, D. (2013) A Dictionary of the Internet (3 ed.), Oxford University Press
Desinformação
Desinformação (disinformation) é a informação falsa deliberadamente criada ou disseminada com o objetivo expresso de causar dano. Produtores de desinformação tipicamente têm motivações políticas, financeiras, psicológicas ou sociais [12].
[12] Wardle, C. & H. Derakshan (September 27, 2017) Information Disorder: Toward an interdisciplinary framework for research and policy making, Council of Europe, https://rm.coe.int/information-disorder-toward-an-interdisciplinary-framework-for-researc/168076277c
Doxing
Doxing ou doxxing é o ato de publicar informações privadas ou que identifiquem um indivíduo sem a sua permissão. Pode incluir nomes completos, endereços, números de telefone, fotos etc [13]. Doxing é um exemplo de mal-informação, que vem a ser a informação correta compartilhada publicamente para causar dano.
[13] MacAllister, J. (2017) The Doxing Dilemma: Seeking a Remedy for the Malicious Publication of Personal Information, Fordham Law Review, https://ir.lawnet.fordham.edu/cgi/viewcontent. cgi?article=5370&context=fl
Encriptação
Encriptação (encryption) é o processo de codificar dados para que sejam interpretados apenas pelos destinatários desejados. Muitos serviços populares de mensagens, como o WhatsApp, encriptam textos, fotos e vídeos enviados por usuários. Isso evita que governos leiam ou interceptem mensagens de WhatsApp e que jornalistas tentem monitorar a mal-informação ou desinformações compartilhadas na plataforma.
Falsificações profundas
Falsificações profundas (deep fakes) é o termo usado atualmente para descrever mídia fabricada por meio de inteligência artificial (IA). Ao combinar diferentes elementos de arquivos de vídeo ou áudio existentes, a IA cria métodos relativamente fáceis para produzir "novos" conteúdos, nos quais os indivíduos parecem falar palavras e executar ações que não se baseiam na realidade. Embora as "deep fakes" ainda estejam em sua infância, é provável que vejamos o termo usado com mais frequência em campanhas de desinformação quando as técnicas se tornarem mais sofisticadas [14].
[14] Li, Y. Chang, M.C. Lyu, S. (June 11, 2018) In Ictu Oculi: Exposing AI Generated Fake Face Videos by Detecting Eye Blinking, Computer Science Department, University at Albany, SUNY
Falsos seguidores
Falsos seguidores (fake followers) são contas de mídia social anônimas ou impostoras criadas para gerar a falsa impressão de popularidade para uma outra conta. Usuários de mídia social podem pagar por falsos seguidores e também por falsas curtidas, visualizações e compartilhamentos para dar a aparência enganosa de uma audiência maior. Por exemplo, um serviço que usa o idioma inglês oferece a usuários do YouTube um milhão de visualizações de “alta qualidade” e 50 mil curtidas por US$ 3.150 [15].
[15] Gu, L., V. Kropotov & F. Yarochkin (2017) The Fake News Machine: How Propagandists Abuse the Internet and Manipulate the Public. Oxford University, https://documents.trendmicro.com/assets/white_papers/wp-fake-news-machine-howpropagandists-abuse-the-internet.pdf
Fantoche
Um fantoche (sock puppet) é uma conta que usa uma identidade falsa projetada especificamente para enganar. Fantoches de meia são usados em plataformas sociais para inflar o número de seguidores de outra conta e para difundir ou amplificar informação falsa para um público de massa [16]. O termo é considerado por alguns um sinônimo do termo “bot”.
[16] Hofileña, C. F. (Oct. 9, 2016) Fake accounts, manufactured reality on social media, Rappler, https://www.rappler.com/newsbreak/investigative/148347-fake-accounts-manufactured-reality- social-media
Fazenda de trolls
Uma fazenda de trolls (troll farm) é um grupo de indivíduos engajados de forma coordenada em trollagens ou na promoção de narrativas, à maneira dos bots. Uma notória fazenda de trolls era a Internet Research Agency, sediada na Rússia, que difundia conteúdo online exaltado na tentativa de interferir na eleição presidencial dos EUA [17].
[17] Office of the Director of National Intelligence. (2017). Assessing Russian activities and intentions in recent US elections. Washington, D.C.: National Intelligence Council, https://www.dni.gov/files/documents/ICA_2017_01.pdf
Informação incorreta
Informação incorreta (misinformation) é a informação falsa, mas que não tem a intenção de causar dano. Por exemplo: indivíduos que não sabem que um conteúdo informativo é falso podem difundi-lo nas mídias sociais numa tentativa de serem úteis [18].
[18] Wardle, C. & H. Derakshan (September 27, 2017) Information Disorder: Toward an interdisciplinary framework for research and policy making, Council of Europe, https://rm.coe.int/information-disorder-toward-an-interdisciplinary-framework-for-researc/168076277c
Inteligência Artificial (IA)
A Inteligência Artificial (IA) descreve programas de computador “treinados” para resolver problemas que normalmente seriam difíceis de solucionar. Esses programas “aprendem” com os dados analisados, adaptando métodos e respostas para maximizar sua precisão. À medida que a desinformação cresce em seu escopo e sofisticação, alguns buscam a IA como uma forma de detectar e moderar efetivamente o conteúdo. A IA também contribui para o problema, automatizando os processos que permitem a criação de manipulações mais convincentes de imagens visuais e permitindo campanhas de desinformação que podem ser direcionadas e personalizadas com muito mais eficiência [19].
[19] Ghosh, D. & B. Scott (January 2018) #DigitalDeceit: The Technologies Behind Precision Propaganda on the Internet, New America.
Mal-informação
Mal-informação é a informação verdadeira compartilhada para causar dano [20]. Isso inclui informações privadas ou significativas difundidas para prejudicar uma pessoa ou reputação
[20] Wardle, C. & H. Derakshan (September 27, 2017) Information Disorder: Toward an interdisciplinary framework for research and policy making, Council of Europe, https://rm.coe.int/information-disorder-toward-an-interdisciplinary-framework-for-researc/168076277c
Meme
A definição formal do termo meme, cunhado pelo biólogo Richard Dawkins em 1976, é uma ideia ou comportamento que se difunde de pessoa para pessoa em toda a cultura, propagando-se rapidamente e mudando com o tempo [21]. O termo agora é mais usado para descrever fotos legendadas ou GIFs que se espalham online, e os mais eficazes são humorísticos ou críticos da sociedade. Eles estão sendo cada vez mais usados como poderosos veículos de desinformação.
[21] Dawkins, R. (1976) The Selfish Gene. Oxford University Press.
Mineração de dados
Mineração de dados (data mining) é o processo de monitorar grandes volumes de dados combinando ferramentas estatísticas e inteligência artificial para reconhecer padrões úteis. Por meio da coleta de informações sobre a atividade de um indivíduo, os agentes da desinformação criam um mecanismo que permite focar usuários com base em suas postagens, curtidas e histórico de navegação. Um temor comum entre os pesquisadores é o de que, à medida que a mineração de dados produza perfis psicológicos mais sofisticados, os usuários possam ser atingidos a partir de sua suscetibilidade para acreditar em algumas narrativas falsas [22].
[22] Ghosh, D. & B. Scott (January 2018) #DigitalDeceit: The Technologies Behind Precision Propaganda on the Internet, New America
Propaganda
Propaganda [na acepção de língua inglesa] é informação verdadeira ou falsa espalhada para persuadir o público, mas que frequentemente tem uma conotação política e muitas vezes está conectada a informações produzidas por governos. Vale a pena notar que as diferenças entre anúncio, publicidade e propaganda nem sempre são claras [23].
[23] Jack, C. (2017) Lexicon of Lies, Data & Society, https://datasociety.net/pubs/oh/ DataAndSociety_LexiconofLies.pdf
Raspagem
Raspagem (scraping) é o processo de extrair dados de um website sem o uso de uma API. É frequentemente usado por pesquisadores e jornalistas de dados para monitorar informação incorreta e desinformação em diferentes plataformas sociais e fóruns. Tipicamente, a raspagem viola os termos de serviço (isto é, as regras que os usuários concordam em seguir para usar uma plataforma). Entretanto, pesquisadores e jornalistas frequentemente justificam a raspagem em função da falta de qualquer outra opção ao tentar investigar e estudar o impacto dos algoritmos.
Sátira
Sátira (satire) é a escrita que usa elementos literários, como ridicularização e ironia, para criticar elementos da sociedade. Pode se transformar em informação incorreta (misinformation) se o público a interpretar como factual [24]. Uma tendência conhecida de agentes da desinformação é identificar conteúdos como sátira para evitar que sejam sinalizados por quem faz o fact-checking (verificação de informações).
[24] Wardle, C. & H. Derakshan (September 27, 2017) Information Disorder: Toward an interdisciplinary framework for research and policy making, Council of Europe, https://rm.coe.int/information-disorder-toward-an-interdisciplinary-framework-for-researc/168076277c
Trollagem
Trollagem (trolling) é o ato deliberado de postar conteúdo ofensivo e exaltado numa comunidade online com a intenção de provocar leitores ou interrromper uma conversa. Hoje, o termo “troll” é mais usado para se referir a uma pessoa que assedia ou insulta outras online. Mas também descreve contas controladas por humanos que desempenham atividades semelhantes a bots.
Verificação
Verificação (verification) é o processo de determinar a autenticidade da informação postada por fontes não oficiais, particularmente mídia visual [25]. Surgiu como um conjunto de habilidades para jornalistas e ativistas de direitos humanos no final da década de 2000, mais notavelmente como uma resposta para a necessidade de se verificar imagens visuais durante a “Primavera Árabe”.
[25] Mantzarlis, A. (2015) Will Verification Kill Fact-Checking?, The Poynter Institute, https://www.poynter.org/news/will-verification-kill-fact-checking
VPN
Uma VPN, ou rede virtual privada (virtual private network), é usada para encriptar os dados de um usuário e esconder sua identidade e localização. Isso torna difícil para as plataformas saberem a localização de alguém que promove desinformação ou compra anúncios. Também é sensato usar uma VPN ao investigar espaços online onde campanhas de desinformação estão sendo produzidas.